Última alteração: 2016-08-03
Resumo
Este trabalho analisou os usos do item gramatical “então”, a partir das ocorrências nas Catilinárias de Cícero e na Ação Penal Nº 470 (III Denuncia- Origens dos recursos empregados no esquema criminoso) no processo do Mensalão. O objetivo principal foi investigar – a partir de duas sincronias – se a função de advérbio temporal se mantinha de forma exclusiva, conforme prescreve a gramática de orientação normativa. O estudo tomou como aparato teórico as contribuições funcionalistas de Hintze (2008) e Pante e Hintze (2008), Neves (1997), Castilho (1999) e Poggio (2002) que, em conjunto, apontam para usos outros, mais abstratos que, por sua vez, podem ser analisados à luz dos pressupostos teóricos da gramaticalização. Tais pressupostos defende que as pressões de uso tendem a direcionar, com o passar do tempo, a função, bem como o significado do termo, do mais concreto para o mais metaforizado (advérbio temporal > conjunção conclusiva/consecutiva), donde a noção de abstração, por meio de um continuum unidirecional. Os resultados, no entanto, apontam que o processo de gramaticalização já havia começado no latim e, provavelmente, se estendeu ao longo dos séculos: por um lado, na primeira sincronia, 75% das ocorrências apresentam a noção tempo, enquanto 25% já desempenham o papel de consequência/conclusão. Por outro, os usos identificados na segunda sinalizam maior avanço no processo de gramaticalização, já que 40% das ocorrências indicam a clássica noção temporal, em oposição à 15% referentes à noção de modo, e à também 15% indicativos do papel de conjunção conclusiva/consecutiva. Tais dados indicam o não apagamento do sentido mais concreto, mas a permanência concomitante às novas funções, indicando alto grau de estabilidade. Deste modo, não se pode falar em um processo unidirecional absoluto, pois a função de tempo também continua a ser usada no português escrito do Brasil.